The pursuit of happiness

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Desenquadrando nosso cristianismo



Achei absolutamente sensacional a prop.posição #2 do grupo de dança e pensamento – seja lá o que isso represente - Ur=H0r intitulada "Desenquadrando Euclides". Duro de entender? Bom, como alguém da área de exatas, agirei "quadradamente" criando definições para essa sopa de letrinhas (soou quadrado de novo).

1) prop.posição – definir agora perderia a graça da descoberta;

2) Ur=H0r – fórmula matemática que representa a contínua expansão das galáxias no universo (simples assim);

3) Euclides de Alexandria (360 a.C. - 295 a.C.) - representa o lado “quadrado” da geometria, um mundo bidimensional em que as linhas paralelas não se encontram e em que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus (por demais exato).

Transcrevo a seguir a sinopse da prop.posição #2:

Desenquadrando Euclides é a emergência de uma coleção de exercícios, instruções, procedimentos e imagens tangeciadas pela instabilidade, irregularidade e não linearidade de formas. Praticando o desenquadramento de nosso hábitos nos aproximamos de um real estado de possibilidades, sem o qual não há chance de brotar outros sentidos da vida.

O público é convidado a errar conosco, a reinventar seu papel de público, repensar seus valores, referências e lugar no mundo.

Para mim, essa sinopse é simplesmente de tirar o fôlego! Eu me apresso em tentar atribuir significados a tudo que vejo e ouço, e não é diferente com esses dois parágrafos. Minha mente é quadradamente programada para traçar paralelos entre X – sendo X um conceito qualquer – e o Cristianismo. Devo dizer que tento traçar paralelos na esperança que as retas se encontrem no espaço do sentido. Esse é um espaço de possibilidades não-Euclidiano, ou seja, irregular, inexato, imprevisível, instável, i...

Nós, que professamos a fé cristã, somos um público convidado ou até forçado a viver num mundo não-Euclidiano. A nossa coleção de exercícios, movimentos e deformações é o transformar da nossa mente (ou renovar, termo utilizado pelo apóstolo Paulo). Dessa maneira, poderemos experimentar a boa, perfeita e agradável vontade Deus. Essa transformação é um convocação ao abandono de velhos paradigmas.

Jesus é o que posso dizer de alguém "transformado" por natureza. Nada de paradigmas, de templos, de sábados, de formalidades. Tinha uma mente perfeita, experimentava a boa, perfeita e agradável vontade de Deus, ainda que essa vontade incluísse seu sofrimento por amor aos pecadores. Ele podia ser totalmente santo e conviver com pessoas de estilo de vida não aceitável, de diferentes credos, gente estranha e fora dos moldes religiosos da época e local (não-quadrados).

E por falar em quadrado, não é que o mundo parece ser mais um quebra-cabeças ou um mosaico do que um xadrez? Supondo que um quadrado é um cristão (mas nem todos os cristãos são quadrados), todo quadrado tende a encaixar (interagir, relacionar) num meio apenas com quadrados, desprezando as formas diferentes da sua. Logo, penso que o primeiro critério para identificar se somos quadrados é checar nossa lista de relacionamentos. Será que ela inclui gente de diversos "níveis" sociais? E religiosos? E gente que pensa de forma diferente?

Basear o relacionamento apenas no encaixe entre formas, e não na compreensão entre diferentes formas, despreza o amor e a individualidade de cada ser. O resultado é a "combatida-alimentada" segregação humana. Quadrados continuam a falar, comer e beber, "quadradamente". Não-quadrados sem Cristo, mudam de forma sem um padrão (sentido, propósito) agradável a Deus. Forma, nesse contexto, é sua realidade, o que a pessoa tem se tornado.

Para finalizar minha analogia, penso que o convite ao erro (pecado?) mencionado na sinopse não deve ser interpretado literalmente. Entendo que se trata de um convite para viver, tentar, ousar, participar, desenquadrar-se, e, inevitavelmente, errar. O interessante é que o erro não necessariamente define uma forma, mas a forma com ele é tratado sim. Nisso com certeza haverá interação entre formas resultando - espero eu - numa forma mais agradável ao Grande Matemático.

2 comentários:

Bianca disse...

Nossa!
Nossa...
demais.


que tapa de luvas lindo.

putz.

Bianca disse...

Fui dormir com o barulho desse seu texto, AMEI o paralelo com o cristianismo em xadrez. Genial.
Vou contribuir com paralelos na Arte: Concretismo e Neoconcretismo:

O Concretismo seria o 'Quadradismo':

"Os princípios do concretismo afastam da arte qualquer conotação lírica ou simbólica. O quadro, construído exclusivamente com elementos plásticos - planos e cores -, não tem outra significação senão ele próprio. A pintura concreta é "não abstrata", afirma Van Doesburg em seu manifesto, "pois nada é mais concreto, mais real, que uma linha, uma cor, uma superfície". Max Bill explora essa concepção de arte concreta defendendo a incorporação de processos matemáticos à composição artística e a autonomia da arte em relação ao mundo natural. A obra de arte não representa a realidade, mas evidencia estruturas, planos e conjuntos relacionados, que falam por si mesmos."


A realidade não cabe na caixa. Já no Neoconcretismo:

"O manifesto de 1959, assinado por Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis, denuncia já nas linhas iniciais que a "tomada de posição neoconcreta" se faz "particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista". Contra as ortodoxias construtivas e o dogmatismo geométrico, os neoconcretos defendem a liberdade de experimentação, o retorno às intenções expressivas e o resgate da subjetividade. A recuperação das possibilidades criadoras do artista - não mais considerado um inventor de protótipos industrais - e a incorporação efetiva do observador - que ao tocar e manipular as obras torna-se parte delas - apresentam-se como tentativas de eliminar certo acento técnico-científico presente no concretismo. Se a arte é fundamentalmente meio de expressão, e não produção de feitio industrial, é porque o fazer artístico ancora-se na experiência definida no tempo e no espaço. Ao empirismo e à objetividade concretos que levariam, no limite, à perda da especificidade do trabalho artístico, os neoconcretos respondem com a defesa da manutenção da "aura" da obra de arte e da recuperação de um humanismo."

E por fim, com Helio Oiticica, que passou pelos movimentos acima, mas soube "renovar seu entendimento" expande-se a visão de público não mais como observador, e sim, como participador. O significado não está só no artista, ou só na obra, ele precisa de interação pra acontecer nas pessoas.

"Hélio Oiticica é um artista cuja produção se destaca pelo caráter experimental e inovador. Seus experimentos, que pressupõem uma ativa participação do público, são, em grande parte, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas."

Em instalações como a Tropicália, não basta passar longe, observar, recorrer a um manual, e decretar todos os julgamentos. Quem não tira, corajosamente, os sapatos e pisa na areia, nas pedras, entra nas tendas, ouve os sons, sente os cheiros, mola os pés na água, se deita nas revistas, livros, folhas e espumas, não terá entendido que a arte está na vida porque está em nós.

Os olhos e a mente não dão conta do mundo. Somos seres integrais. O corpo, as sensações, o sentimento, e tudo o mais, significam o mundo. Não cabe na rede não...
não cabe...