The pursuit of happiness

sábado, 6 de outubro de 2018

O odioso dever

Eu disse no capítulo anterior que a castidade era a menos popular das virtudes cristãs. Mas não estou tão certo disso. Acredito que haja uma virtude ainda menos popular, expressa na regra cristã "Amarás a teu próximo como a ti mesmo". Porque, na moral cristã, "amar o próximo" inclui o "amar o inimigo", o que nos impinge o odioso dever de perdoar nossos inimigos. 
- C. S. Lewis (Cap. O Perdão, pág. 152, Cristianimo Puro e Simples)
"Odioso dever". É exatamente isso que penso a respeito sobre a tarefa mais difícil para um ser humano: amar seu inimigo. Se amar pessoas amáveis já é um desafio, o que dizer sobre amar inimigos?

Penso que Lewis não romantiza o amor quando escreve sobre perdão. Primeiro, ele assume que temos amor próprio. Isso significa, dentre outras coisas, que queremos o nosso próprio bem e que temos certa facilidade para a autoindulgência, o que inclui o perdão e a aceitação próprios. Amar ao próximo como a si mesmo é, então, estender a outros esse tratamento que nos damos todos os dias.

Mas o problema não está resolvido. Como amar alguém que não deseja nosso amor? Recentemente, tive um prejuízo material (coisas do trânsito) e a pessoa que o causou não parece muito disposta em resolvê-lo. O que seria amar essa pessoa? Alguns talvez diriam: "deixe isso para lá e siga sua vida". Mas, se ao fazer isso, eu o "mato" em minha mente, estou amando? Talvez outros minimizem o ocorrido e o comparariam com coisas bem mais terríveis. Lewis imagina uma plateia perguntando "E, se você fosse judeu ou polonês, perdoaria a Gestapo?". Ele não diz o que faria. Quanto a mim, nem consegui ainda passar do primeiro "nível", que é o prejuízo material...

Sendo bem honesto, chego à conclusão que não sei amar. Posso em alguns momentos ter uma atitude positiva, relevar "encrencas", apaziguar e, inclusive, perdoar. Mas amar plenamente, não. É justamente por isso que fui a Cristo. Não porque eu O amava, e, por O amar tanto, era capaz de amar qualquer um. Não porque os seguidores de Cristo são plenamente amáveis ou coerentes. Humilhado, vou a Cristo pela para ser salvo da minha incapacidade de amar, tanto ao próximo como a Ele.

De repente, vejo que não estou só. Gente de toda a parte do mundo, "boas" e "más", percebem que não conseguem amar totalmente o tempo todo. Pecado! Palavra detestável, só não mais que aquilo que ela representa. Trata-se de um amor desenfreado por si mesmo que até desumaniza. Definitivamente, a salvação de Cristo precisa ter efeito todos os dias da nossa vida enquanto vivermos.

Passamos por um momento tenso e creio que o fim não está tão claro. Esse texto não é nenhum recado aos que afirmam "bandido bom é bandido morto". Não tem nada a ver com isso. Pessoas relatam amizades desfeitas e desavenças familiares, e tudo isso em nome do "Eu", o pior de todos os bandidos. Não se trata de meras divergências, mas da divisão que nos coloca na posição de inimigos uns dos outros. Para o cristão não há opção: é hora do "odioso dever".

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